martes, 17 de diciembre de 2013

Primavera Bogotana

Escrevi este texto para ilustrar o processo de luta popular pela democracia em que estamos vivendo em Bogotá. Processo que a mídia brasileira faz questão de não mostrar. Há muito tempo não falo sobre política. Explicitamente, digo, afinal, é impossível viver sem a política. A forma com que você dá a luz e até as compras que você faz no supermercado são, ainda que inconscientes, escolhas políticas. E foi para defender suas escolhas que o povo bogotano foi às ruas.


Estamos no outono a poucos dias do inverno. Entretanto, o que vemos no horizonte é a mais linda primavera. Bogotá vive tempos de mudanças. Outrora considerada uma das cidades mais violentas da América Latina, Bogotá, hoje, respira e inspira humanidade. Palco de tantos conflitos e rebeliões tais como o Bogotazo, em 1948 e a invasão do exército colombiano ao Palácio da Justiça ocupado pelos guerrilheiros do Movimento 19 de Abril – M19, em 1985, a capital colombiana aspira à paz. 


Contudo, a paz que brilha nos olhos dos colombianos e colombianas não é somente paz, mas, sim, paz com justiça social, irmãs siamesas que no contexto neoliberal latino americano foram condenadas a viverem separadas e, em muitos casos, a não existir.

E é justamente em busca desta paz com justiça social que caminha o novo governo distrital: em busca de uma Bogotá mais humana. O atual prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, exemplifica este modelo de gestão citando o escritor português José Saramago: “o progresso não é mais que priorizar o ser humano de maneira absoluta”. Combater a segregação social e construir uma cidade inclusiva, digna e com igualdade, brindando atenção e reparo às pessoas vítimas do conflito armado; respeitar a natureza como um ser vital e combater a corrupção e a insegurança. Estes são os três pilares que norteiam a gestão de Gustavo Petro Urrego, destituído do seu cargo e inabilitado de exercer cargos públicos por 15 aos por decisão do procurador geral da nação Alejandro Ordoñez Maldonado. 

Gustavo Petro nasceu em uma das regiões mais pobres da Colômbia, na cidade de Ciénaga de Oro, no estado de Córdoba, norte do país. Ainda criança viu sua família ser desalojada devido ao conflito armado que perdura neste país há mais de 60 anos. Seu gosto pela política começou nas aulas de filosofia do colégio, época que Gustavo Petro relembra com emoção e gratidão. Petro estudou no mesmo colégio que o escritor Gabriel García Márquez, onde fundou um jornal chamado “Carta del Pueblo”. Aos 18 anos ingressou à guerrilha armada no Movimento 19 de Abril onde trabalhou organizando a luta popular acompanhando a formação de sindicatos no município de Zipaquirá, localizado a 28 km da capital colombiana, Bogotá. Em 1985, Petro foi capturado pelo exército colombiano, torturado e preso por dois anos. Na prisão, dedicou-se a ajudar centenas de presos a ler e escrever. Por sempre acreditar e defender a democracia como meio de luta Petro foi um dos protagonistas, em 1989, do acordo de paz entre a guerrilha e o governo colombiano. Nos anos 90 foi eleito deputado e senador e em 2011 foi eleito prefeito de Bogotá através do grupo denominado Progressistas com 32,15% dos votos (721.308 mil votos).

Ententa o caso:

A decisão do procurador Ordoñez foi anunciada nessa segunda-feira, 9 de dezembro e recebida pela população como um possível golpe de estado, orquestrado pela direita colombiana. Ordoñez é conhecido pelos colombianos por ser um homem extremamente conservador, praticamente um “fanático religioso”. O procurador também é contra o aborto em qualquer situação, incluindo má formação e estupro. Este mesmo procurador que nos dias de hoje destitui o prefeito Petro, em 2010 destituiu a então senadora Piedad Córdoba. Em 1978, Ordoñez participou, na cidade de Bucaramanga, nordeste do país, da queima de livros incluindo livros de literatura universal. 

Petro foi sancionado pelo procurador por pelo fato de Bogotá ter ficado sem coleta de lixo por três dias. A falta de coleta de lixo na cidade levantou a suspeita de um possível complô com interesses políticos que estaria sabotando o novo modelo de coleta de lixo implementado por Petro. O propósito do prefeito foi o de municipalizar a coleta de lixo e resíduos recicláveis, não renovando a licitação de empresas que monopolizavam a coleta de lixo na cidade. “Condenam-me porque eu desprivatizei um serviço público. Porque rompi com dogmas neoliberais, porque privilegiei o interesse geral ao particular”, afirmou Petro em sua conta do Twitter no dia da sua destituição.

Entre as empresas de reciclagem privadas que atuavam em Bogotá, está a “Residuos Ecoeficiencia S.A.”, de Tomás e Jerónimo Uribe – filhos do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe. Enquanto senador, Petro fez duros debates no senado sobre os possíveis nexos de Álvaro Uribe com o paramilitarimo - guerrilha armada de ultra direita. 

O Programa “Basura Cero”

O programa “Basura Cero” - ou em português: Lixo Zero - é mais do que apenas municipalizar a coleta de lixo e instituir a coleta seletiva. O programa é um princípio de vida, de compromisso ambiental com o planeta, com a cidade e com todos os seres que nela habitam que busca sensibilizar, diminuir os impactos ambientais produtos de uma gestão inadequada dos resíduos e convertê-los em riqueza coletiva sustentável. Para isso busca criar sinergias entre todos os atores sociais: cidadãos, empresários, ambientalistas, acadêmicos e artistas. 

Segundo Petro, é uma forma de construir a paz. Segundo o prefeito, quando você possibilita que um coletor de lixo e um reciclador possam recolher o lixo e os resíduos juntos e que ambos recebam por isso, isto é construir a paz. 

Dentre os projetos prioritários do programa, está a regularização e formalização do serviço de reciclagem como importante complemento do serviço de coleta de lixo, gerando processos de inclusão para a população que trabalha com a coleta de lixos recicláveis. O processo de inclusão das pessoas recicladoras abrangeu a troca de veículos de tração animal por caminhões de pequeno porte. Esta mudança proporcionou maior produtividade dos recicladores, de acordo com o representante legal da associação de recicladores Ecoactiva, Camilo Reyes. Segundo Reyes, os recicladores percorrem maior distância em menos tempo e com condições de armazenar os resíduos recicláveis com mais segurança na caçamba do caminhão. Além disso, salienta, “já não molhamos mais quando chove, o Petro nos proporcionou dignidade para trabalhar”.

Golpe de estado e mobilização popular

“Estamos ante um golpe de estado”, afirma o prefeito Gustavo Petro. Mas segundo ele, a decisão do procurador Alejandro Ordoñez não é um golpe a um prefeito de esquerda, mas, sim, um golpe contra a democracia, contra a vontade popular, contra os cidadãos que livre e abertamente elegeram um mandato mediante um dos mais sagrados direitos: o voto.

A indignação frente a destituição do prefeito levou milhares de pessoas a Plaza de Bolivar onde se localiza a prefeitura. Na praça iluminada pelas luzes de natal e por olhos cheios de esperança, todos entoavam como se fosse um mantra “Petro fica”! Diversos movimentos sociais de camponeses, indígenas, sindicalistas, trabalhadores, estudantes e movimentos LGBTS se uniram em apoio ao prefeito. Criou-se o Comitê Nacional Pela Defesa da Democracia. Ainda durante a semana, chegará a Bogotá a “Guarda Indígena”, coletivo da região do Cauca composto por crianças, mulheres e adultos que se concebe como um organismo ancestral de resistência, unidade e autonomia em defesa do território e plano de vida das comunidades indígenas. Diferentemente do que possa parecer, a Guarda Indígena não é uma estrutura policial, senão um mecanismo humanitário e de resistência civil. 


A mobilização que já acontece em todo o país, não somente na capital Bogotá, já não é mais para defender o prefeito, senão para defender a cidade, seu futuro e a Paz. O temor é que a destituição de Gustavo Petro fragilize os diálogos de paz em Havana, Cuba. Segundo Petro, sua destituição é uma armadilha. “querem lançar uma mensagem de guerra sobre Havana”. 

As Forças Armadas Revolucionárias Colombianas (FARC-EP) se pronunciaram qualificando a destituição de Petro como um golpe de estado através do qual Ordoñez seguiria sua carreira inquisitiva contra o Processo de Paz. Temeroso quanto às possíveis consequências da destituição de petro, o próximo embaixador estadunidense na Colômbia, Kevin Whitaker, afirmou que se setores do país não sentem respeitada a pluralidade política, isso poderia “erosionar” o processo de paz. 


Gustavo Petro ainda pode recorrer da decisão do procurador. O certo é que a cada dia ganha mais forma a mobilização popular em defesa da democracia e a paz. Nessa sexta 13, Bogotá foi palco de mais um dia de mobilização popular Para muitos, uma sexta-feira 13 é símbolo do azar. Em espanhol azar não significa falta de sorte senão acaso. Que este acaso venha, então, repleto de esperanças.

Fotos: Gilmara Lanzetta 


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